O MENINO E O RIO
Maria Emília L. M. Redi
O menino sentou-se à beira do rio. Deixou o olhar perdido nas águas inquietas... As correntezas levaram o tempo e todos os sonhos. E já não era mais o menino.
Era o ancião, habitante do seu íntimo, martelando os pregos da canoa, que o levaria à outra margem.
Lá, encontrou o filósofo, perdido em sua complicada e sensível realidade. Deslizou os passos pelas idéias, que permeiam a essência do Ser, e sentiu-se rico, ao constatar-se imprimido na unidade. Pensou, - Sou um rio! E mergulhou nas profundezas da eternidade...
Viu-se em todas as eras. Sentiu em cada célula, em cada átomo o latejar da evolução sem fim das espécies. Percebeu outros seres vivenciando as mesmas dores, as mesmas alegrias e encontrou semelhanças entre os paradoxos.
Sorriu, feliz, apreciando a chuva.
As campinas verdejaram e o sol inundou de calor as vidas. As plantas floresceram e vieram os frutos, que amadureceram, caíram ao chão e apodreceram.
No espelho d´água avistou a criança e o velho, e... aceitou as limitações do seu entendimento.
Admirado, estendeu o olhar pela mata em chamas e viu o homem destruindo o paraíso. - Era o homem o predador das espécies... - Era ele mesmo! E chorou todas as lágrimas do remorso.
Outras estações vieram. Ele cantou na voz do vento todas as épocas. Sentiu-se só, diante da natureza destruída e dos animais carbonizados.
O mormaço daquela atmosfera era escaldante!
A deusa Ganância, tão despótica e insensível, lançou-lhe um bafo quente, cheirando a enxofre.
- Seria o caos?
Sentiu sede, mas as águas já não eram cristalinas e potáveis.
- Onde estaria o rio? Aquele da sua infância? Onde estaria?
Remexendo as cinzas do passado, imaginou-se a “Fênix” , como num passe de mágica, delas faria renascer o paraíso. Cerrou forte os olhos e desejou ardentemente:
- VERDE! VIDA!
No palco da existência, abriram-se as acinzentadas cortinas de fumaça.
- Era azul, muito azul o céu deste momento!
E o verde vibrou nos olhos da Vida!
O paraíso se expandiu como miragem dos seus sonhos...
Na Terra, na Criação, na criança, no ancião, os corações pulsavam em uníssono:
- Há Esperança! Não é tarde demais para o recomeço.
A Vida ofereceu ao mundo outra chance. E, sentado à beira do rio, era, novamente, o menino que acreditava em um mundo melhor para a criança, o ancião e toda Criação.
Soltou das mãos as pesadas correntes do desamor... E as águas do perdão as levaram embora.
Pousou os pés no chão da realidade e sentiu firmeza
- Agora é um novo tempo!!!
As águas do rio rolaram, rolaram... O menino cresceu.
O ancião, em sua dimensão, sorriu... à espera de um possível reencontro, muito diferente, muito mais cósmico, pós o caos.